sexta-feira, 13 de junho de 2008

Fernando Pessoa - 120 anos




APONTAMENTOS ÍNTIMOS


Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore e até flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

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Sendo nós portugueses, convém saber o que é que somos.
a) adaptabilidade, que no mental dá a instabilidade, e portanto a diversificação do indivíduo dentro de si mesmo. O bom português é várias pessoas.
b) a predominância da emoção sobre a paixão. Somos ternos e pouco intensos, ao contrário dos espanhóis – nossos absolutos contrários –, que são apaixonados e frios.
Nunca me sinto tão portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim – Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, e quanto mais haja havidos ou por haver.



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